Comissão da Câmara dos Deputados apresenta na ONU relatório sobre violações de direitos humanos pelo Estado Brasileiro

Deputada Erika Kokay e deputado Helder Salomão no Palácio das Nações, Genebra, Suíça

O relatório “Direitos Humanos no Brasil em 2019”, será apresentado na 42ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, e foi organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). O documento aponta de forma detalhada, em 26 itens, uma série de números e exemplos que mostram a falta de compromisso do atual governo com os direitos humanos, além de não cumprir orientações de organismos internacionais. O objetivo é que a iniciativa “sirva para evidenciar o quadro extremamente crítico dos direitos humanos no Brasil e para que, ao lado de autoridades do sistema ONU e da comunidade das nações possamos encontrar soluções a esses desafios”. Participam da missão, de 16 a 20 de setembro, os parlamentares Helder Salomão (PT/ES) presidente da CDHM e Érika Kopay (PT/DF), integrante do colegiado.

O documento da CDHM contextualiza a posição do governo federal diante da própria ONU. “Se eu for presidente eu saio da ONU, não serve pra nada esta instituição”. “É uma reunião de comunistas, de gente que não tem qualquer compromisso com a América do Sul, pelo menos”. Essas, são palavras do Presidente da República, Jair Bolsonaro, quando ainda era candidato. “Conosco não haverá essa politicagem de direitos humanos, essa bandidagem vai morrer porque não enviaremos recursos da União para eles”, prometeu. “Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de Direitos Humanos da ONU”, afirmou no nono mês de exercício do cargo.

“Direitos Humanos no Brasil 2019” mostra o caminho contrário do governo federal em relação às recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU). São 26 pontos tratando, por exemplo, do genocídio da juventude negra, letalidade policial e execução sumária; a situação do sistema carcerário e os massacres; extinção dos mecanismos de controle e participação social; violência no campo; desigualdade racial; violência contra as mulheres; redução das políticas de drogas, saúde mental e HIV/Aids e ataques à preservação do meio ambiente. A seguir, alguns exemplos do material que será apresentado na ONU.

-Aumento da desigualdade

O documento mostra que o Brasil enfrenta uma política de austeridade recessiva. “A Emenda Constitucional 95, promulgada em 2016, congelou os gastos e investimentos públicos por 20 anos, preservando o pagamento de juros da dívida externa. Isso implica em redução de todas as políticas públicas e no aumento da desigualdade. O investimento público previsto no Orçamento para 2020 é o menor da série histórica da Secretaria do Tesouro Nacional, iniciada em 2007. Programas voltados à população mais pobre, como o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família e o financiamento estudantil, terão as menores destinações desde sua criação. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sofreu 41% de redução. A renda do trabalho dos mais ricos subiu, e a dos mais pobres caiu. O 1% mais rico da população abocanha hoje 28% da renda total do Brasil, o que significa a segunda maior concentração de renda do mundo (perdendo apenas para o Qatar), de acordo com dados da FGV. A miséria, em queda desde a redemocratização do Brasil, voltou a crescer”.

-Cortes e ideologização da educação

O levantamento da CDHM afirma “que o governo cortou os investimentos em todas as etapas da educação, com um montante de corte acima de R$7 bilhões. Para 2020 o orçamento do Ministério da Educação será reduzido em R$ 21 bilhões. Na educação básica, o corte chega a R$ 914 milhões, abrangendo verbas para construção e manutenção de escolas e creches, capacitação de profissionais da educação, merenda escolar e transporte”.

-Genocídio da juventude negra e letalidade policial

“De acordo com o Atlas da Violência, entre 2016 e 2017, o número de pessoas assassinadas com armas de fogo cresceu 6,8%. O ano de 2017 bateu uma marca inédita de 65.602 mil pessoas sendo mortas, e 72,4% (47.510 mil) por tiros. As vítimas principais desta violência são da população jovem, com 59,1% do total de óbitos de homens entre 15 a 19 anos de idade. 75,5% das vítimas de assassinato em 2017 eram indivíduos negros. A taxa de homicídios de negros (pretos e pardos) por grupo de 100 mil habitantes foi de 43,1, ao passo que a de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 16,0. Ou seja, para cada indivíduo não negro que sofreu homicídio em 2017, aproximadamente, 2,7 negros foram mortos”.

“Durante todo o ano de 2018 o estado do Rio de Janeiro esteve sob intervenção militar para combate à violência. Neste período, o número de lesões corporais seguidas de morte aumentou em 33% e mortes por intervenção policial, 38%, se comparadas ao mesmo período do ano anterior. Os tiroteios saltaram de 3.477, nos seis meses anteriores da intervenção, para 4.850 nos seis meses pós-intervenção. Os dados são do Observatório da Intervenção da Universidade Cândido Mendes, que aponta ainda que a presença de militares do exército no Rio de Janeiro aumentou em 80% o número de chacinas e em 128% o de mortes neste tipo de conflito”.

-Execuções sumárias defendidas por altas autoridades

O relatório exemplifica a defesa de execuções sumárias por Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, que tem feito afirmações como “tiros na cabecinha” quando se refere ao assassinato de suspeitos em ações da polícia militar. Também posta fotos empunhando armas potentes ou participando de tiroteios em helicópteros e defende a ação de “snipers”, atiradores de elite. A ONG Redes da Maré divulgou relatório contabilizando as mortes nos primeiros meses do governador, no conjunto de 16 favelas que formam a Maré. Foram 21 operações policiais com 15 mortos, 14 delas ocorreram em ações com uso de helicóptero. Outras 12 mortes foram causadas por dez confrontos entre grupos armados. Em todo o ano de 2018, 16 operações com 19 mortos. A ONG afirma que todas as mortes tinham indícios de execução”.

Já o presidente Jair Bolsonaro defende a aprovação da excludente de ilicitude, dizendo que com ele bandidos “vão morrer na rua igual barata”. A ampliação das hipóteses de excludente de ilicitude – a exclusão da culpabilidade de agentes de segurança pública que venham a cometer homicídios, o que é uma verdadeira “licença para matar” – é proposta pelo Poder Executivo, que enviou ao Congresso Nacional um “pacote anticrime”, desenhado pelo Ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro. Essa medida atingirá, principalmente, a população pobre que mora nas periferias”.

-Tortura

“Em junho deste ano o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura (MNPCT). Os onze profissionais que trabalhavam no colegiado foram demitidos. O MNPCT foi criado em 2013 dentro do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura e fazia parte do acordo para adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual o País é signatário desde 2007. O Presidente da República é, aliás, um entusiasta da tortura. Com afirmações como “Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso. E o povo é favorável também.” (1999). “Se tivéssemos agido como a Colômbia, com humanismo, teríamos uma FARC no coração do Brasil e graças aos militares não temos” (2018). “Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece.” (2018). “O erro da ditadura foi torturar e não matar.” (2018). “Ninguém tem prova de nada (…) Suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”. (2018).

-Retrocessos nos direitos à memória, à verdade e à justiça

“O presidente Jair Bolsonaro tem elogiado, de forma incisiva, a ditadura militar. Período em que houve, no mínimo, 434 mortes e desaparecimentos políticos, além de incontáveis prisões e torturas cometidas por esse regime. Recentemente chamou de “herói nacional” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Destacamento de Operações de Informações (DOI-CODI) em São Paulo e ficou conhecido como um dos maiores torturadores da ditadura. Outras frases de Jair Bolsonaro sobre a ditadura:

“Não houve golpe militar em 1964″, entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura (30 de julho de 2018)

“Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um probleminha, é coisa rara um casal não ter um problema, tá certo? […] E onde você viu uma ditadura entregar pra oposição de forma pacífica o governo? Só no Brasil. Então, não houve ditadura.” (27 de março de 2019)

“31 de março de 1964,  Devemos, sim, comemorar esta data. Afinal de contas, foi um novo 7 de setembro […] O Brasil merece os valores dos militares de 1964 a 1985.” (31 de março de 2016).

-Extinção dos mecanismos de participação social

“Em abril deste ano, o Governo Federal publicou Decreto extinguindo e limitando a atuação de conselhos da administração pública e revogando o Plano Nacional de Participação Social (PNPS), que visava “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Como saldo, foram extintos cerca de 700 colegiados, abrangendo temas como: diversidade; refugiados; combate à corrupção; criminalidade; saúde e escolaridade indígenas, direitos LGBTI. Os conselhos que foram recriados passaram a ter quantidade reduzida de membros, sem paridade entre governo e sociedade civil e sem reuniões presenciais.

-Desmatamento e queimadas na Amazônia

“Constatou-se um crescimento no desmatamento da Amazônia de 49,5% na série histórica 2018/2019, se comparado ao mesmo período de 2017/2018, conforme o Observatório do Clima. Segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), o mês de julho de 2019 apresentou uma área desmatada de 2.254,9 km2 , quatro vezes maior que o mesmo mês de 2018. Declarações e ações do governo quanto a respeito foram catastróficas. O Presidente Jair Bolsonaro questionou a veracidade desses dados, afirmando que o diretor do Inpe, Ricardo Magnus Osório Galvão, devia estar a serviço de alguma ONG. Ele foi exonerado do cargo. O Ministro do Meio Ambiente, por sua vez, disse que os dados “são interpretações sensacionalistas e midiáticas” feitas por “aqueles que manipulam para criar factóides” e “conseguir mais doações das ONGs estrangeiras para os seus projetos pessoais”.

-Violações dos direitos indígenas

“Em diversas declarações, o Presidente da República Jair Bolsonaro sustentou que não haveria nenhuma demarcação de terras indígenas. Nenhuma terra indígena foi homologada em 2017. Em 2018, a única demarcação, da terra indígena Baía do Guató, foi suspensa pela Justiça. Em 2019, nenhuma terra indígena foi identificada, declarada ou homologada. O direito dos indígenas a seus territórios tradicionais é previsto na Constituição da República. Hoje são 129 processos parados sobre terras nas quais vivem cerca de 120 mil indígenas. Além disso, o governo deve apresentar uma proposta de lei que autorizaria a exploração mineral em terras indígenas. A promessa de liberação das terras para mineração e a falta de demarcações pelo Estado gera conflitos. Pelo menos 14 territórios indígenas estão atualmente sob ataque”.

-Discriminação contra as pessoas LGBTI

“O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, de acordo com a organização Transgender Europe. Em 2018 o Grupo Gay da Bahia registrou 420 casos de assassinatos por LGBTIfobia, contudo, este dado pode estar subestimado, a situação pode ser ainda mais grave. As pessoas transgênero possuem uma expectativa de vida de apenas 35 anos, segundo a União Nacional LGBTI”.

-Desigualdade racial

“Enquanto candidato, o atual Presidente da República nunca escondeu a sua contrariedade à política de cotas e a incompreensão sobre o significado de políticas afirmativas e de reparação, tratando o tema inclusive com deboche. Indagado se a política de cotas não seria uma resposta à dívida histórica do Brasil com os afrodescendentes, derivada do tempo da escravidão: “Que dívida? Eu nunca escravizei ninguém na minha vida”. O desmantelamento do Estado e as reformas liberais propostas pelo governo, como a reforma da previdência, têm impacto direto sobre a vida da população negra. As alterações nas regras de aposentadoria e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) vão prejudicar sobretudo a população negra, pobre e periférica, já excluída socialmente, e que sobrevive sem direitos, por meio de trabalhos precários e informais”.

O que á a Revisão Periódica Universal

A Revisão Periódica Universal (RPU) é o mecanismo da Organização das Nações Unidas (ONU), que analisa a situação de direitos humanos nos países que fazem parte da organização internacional. O 3° ciclo de revisão do Brasil foi em 2017 e o país recebeu 246 recomendações. O Estado Brasileiro se comprometeu a, em 2019, elaborar e enviar um relatório de meio período sobre o que foi feito sobre essas recomendações, e realizar uma consulta pública para fazer esse documento. Porém, o governo federal já comunicou que não vai entregar esse relatório. A entrega deveria ocorrer nesta semana, no encontro do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Programação em Genebra

A programação da missão da CDHM inclui reunião com a reatora especial sobre direitos dos povos indígenas, Sra. Victoria Tauli-Corpuz. Inclui também reunião com funcionários do Alto Comissariado das Nações Unidas sobre os temas liberdade de expressão, liberdade de associação e defensores de direitos humanos; execuções sumarias e tortura; drogas e desarmamento; combate à tortura; direitos econômicos e sociais. Também na pauta da CDHM em Genebra, está o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Ramos. Os dois foram mortos à tiros há 18 meses no centro do Rio de Janeiro.

Leia a íntegra do relatório, em inglês e português, aqui

 

Pedro Calvi / CDHM

Por: Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br)